18/08/2025

Ministros do STJ autorizam divórcio por meio de liminar

Por: Laura Ignacio
Fonte: Valor Econômico
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, recentemente, a favor do
divórcio por liminar - uma espécie de medida urgente -, sem ouvir a outra
parte do casal. O entendimento da 3ª Turma é semelhante ao que está no
texto proposto para a reforma do atual Código Civil.
De acordo com os ministros, não haveria a necessidade de o juiz aguardar a
citação ou manifestação do outro cônjuge. Antes, já havia jurisprudência
favorável ao divórcio por liminar no STJ. Porém, sem aprofundamento sobre
o meio processual a ser usado.
Especialistas destacam que a decisão da 3ª Turma foi proferida por meio do
“julgamento antecipado parcial de mérito”. Na prática, essa ferramenta
processual evita que o cônjuge alegue a necessidade de apresentação de provas
- comum no caso do divórcio que é pedido por meio da “tutela de evidência”.
O assunto é cada vez mais relevante. De acordo com as estatísticas do Registro
Civil, no ano de 2023, no país, foram oficializados 440,8 mil divórcios, número
4,8% maior do que o de 2022.
Alguns tribunais estaduais também já concedem o divórcio por liminar. O
Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), por exemplo, aplica o entendimento de
que, se um quer se divorciar, o outro não pode impedir.
Em um dos julgados do TJPR, foi firmada a seguinte tese: “O divórcio pode
ser decretado em tutela de evidência, mesmo antes da citação do requerido, pois
é um direito potestativo, não existindo defesa capaz de gerar dúvida razoável
ao acolhimento do pedido” (processo nº 0106179-97.2024.8.16.000).
O caso concreto analisado pelos ministros da 3ª Turma do STJ envolveu uma
mulher vítima de violência doméstica. Ela buscava também medidas sobre a
guarda dos filhos e a partilha de bens.
Ao votar a favor do divórcio liminar, a ministra relatora Nancy Andrighi
considerou a situação de violência doméstica e a Emenda Constitucional nº 66,
de 2010. A norma suprimiu a exigência de separação prévia ou qualquer outro
requisito temporal para a dissolução do vínculo conjugal.
A turma levou em conta também que a decretação do divórcio independe do
contraditório, pois se trata de direito do cônjuge que o pleiteia, bastando a
apresentação da certidão de casamento atualizada e a manifestação de vontade
da parte para que se comprove o vínculo conjugal e a vontade de desfazê-lo,
“não podendo ser alterada por sentença”.
Os ministros Humberto Martins, Ricardo Villas Bôas Cueva, Moura Ribeiro e
Daniela Teixeira acompanharam o entendimento da relatora por unanimidade
(REsp 2189143/SP).
“Podemos afirmar que o entendimento da 3ª Turma está alinhado com decisões
anteriores no sentido de que o divórcio liminar é possível e afirma que a
ferramenta processual adequada é o julgamento antecipado parcial de mérito”,
afirma a advogada Adriana Chieco, especialista em direito de família do
escritório Chieco Advogados (REsp 2154062, AREsp 2385395, REsp 2007285
e AREsp 2713282).
Segundo Adriana, esse não é um entendimento obrigatório para os demais
tribunais e juízos, mas deve ser levado em consideração como precedente na
fundamentação das decisões de juízes e desembargadores.
A advogada também garante que não há riscos para os filhos ou mesmo para o
cônjuge, no caso de divórcio por liminar, porque ele diz respeito somente à
dissolução do casamento e consequente mudança do estado civil. “Quaisquer
outros temas, como a partilha dos bens do casal de acordo com o regime do
casamento, eventuais pedidos de alimentos (pensão) ou discussão sobre a
guarda de filhos, ainda seguirão o procedimento usual”, diz.
As advogadas Vanessa Farracha de Castro e Patrícia Nickel, da equipe de
Direito de Família da Farracha de Castro Advogados, afirmam que se o divórcio
é decretado em tutela de evidência na primeira instância, a parte contrária pode
interpor agravo de instrumento no Tribunal de Justiça para tentar reformar a
decisão. No entanto, de acordo com elas, é importante ressaltar que a chance
de reversão do divórcio em si é muito pequena, já que o entendimento atual é
que ninguém é obrigado a permanecer casado.
Para as advogadas, a decisão do STJ, embora não possua efeito vinculante, gera
precedente “principalmente em casos em que a demora na decisão possa causar
problemas, como a prática de atos de vingança por parte do cônjuge
inconformado com o fim do matrimônio”.
Assim como é uma medida protetiva para as mulheres que precisam se
desvencilhar de um ciclo de violência, o divórcio liminar também protege
empresários chantageados por ex-mulheres que, por vingança, exigem pensão
maior do que a que teriam direito, segundo a advogada Marília Xavier,
professora da Universidade Federal do Paraná e membro do Instituto Brasileiro
de Direito de Família (IBDFAM).
Um caso que chegou no escritório, exemplifica, é o de um cliente que não
morava mais com esposa há anos, mas o processo foi para uma vara onde
demora anos para sair decisão. “Ele começou um outro relacionamento e
engravidaram e a esposa formal passou a usar o interesse do ex-marido em se
divorciar logo por causa da criança para chantageá-lo financeiramente, pedindo
mais do que ela teria direito de acordo com o regime de separação de bens”,
diz.
Para Marília, assim como casar é um direito humano, se divorciar também é.
“Uma pessoa não pode ter que se manter casada quando ela não mais deseja.
Por isso, poder pedir o divórcio de maneira liminar é algo revolucionário”,
conclui.
Na proposta de reforma do Código Civil, há previsão de divórcio unilateral por
via extrajudicial, contudo, contanto que a outra parte seja notificada. Após cinco
dias dessa notificação, se o cônjuge for encontrado e não se manifestar, o oficial
do registro civil no cartório onde a união foi registrada prosseguirá com o
procedimento (artigo 1.582-A).
Com essa mudança, o objetivo é imprimir celeridade e desjudicialização para o
divórcio, o que também deverá reduzir o seu custo. Desde o ano de 2007, a Lei
nº 11.441 permite a realização do divórcio em cartório, mas é necessário
consenso entre as partes e a ausência de filhos menores ou incapazes.